quinta-feira, 12 de abril de 2018

não teremos pois a leviandade de contestar



“Está na ordem do universo que um espírito único, por todo o lado espalhado, um sentido em tudo presente, de todas as partes vindo para se apossar das coisas, sinta estes efeitos e paixões que em todas as coisas nos é dado observar.
[…]
É por esta razão que os deuses nos falam através de imagens ou de sonhos, que nós, por falta de hábito, por ignorância e pela obtusa debilidade das nossas faculdades, chamamos de enigmas, quando são estas as [verdadeiras] palavras por excelência e os próprios confins das coisas que se podem figurar.
[…]
Certos espíritos habitam os corpos humanos, outros os corpos de outros animais, plantas, pedras, minerais; em suma, nada existe que esteja privado de espírito, de inteligência – nem o espírito destinou para si morada eterna em lugar algum. A matéria flutua de espírito em espírito, de natureza em natureza ou composição, e o espírito flutua de matéria em matéria. Sucedem-se a alteração, a mutação, a paixão e, por fim, a corrupção, quer dizer, a separação de determinadas partículas e sua composição com outras. A morte mais não é que dissolução. Nenhum espírito ou corpo desaparece: há somente uma contínua mutação de combinações e actualizações.
[…]
Eis como por vezes somos mais atingidos e mais cruelmente feridos por coisas cujos golpes não sentimos do que por aquelas que no-los fazem sentir […]. Não teremos pois a leviandade de contestar à partida as teses de certos platónicos e de todos os pitagóricos, que concebem o indivíduo como uma colecção de seres dotados de vida própria: morrera um deles, mesmo sendo de todos o principal, que os outros lhe sobreviveriam ainda por muito tempo.”

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