sexta-feira, 16 de março de 2018

Антон Павлович Чехов




Acontecem-me coisas únicas a ler Tchékhov, mestre que nunca me deixa desamparada. Certos contos gravam-se na minha memória como se eu própria tivesse feito parte do enredo. E não deixa de ser curioso e inédito que, detestando eu qualquer tipo de moralismos, me deixe arrebatar de tal modo por estas histórias que acabo inevitavelmente por tomar partido, afunilando toda a complexidade daquele pedaço particular da realidade que o conto recorta. Neste segundo volume aconteceu-me sobretudo com três contos. Com a Anna ao pescoço, a minha compaixão pela rapariguinha boazinha que sacrifica a sua vida ao casamento transformou-se subitamente em triunfo agridoce: foda-se tudo, egoístas de merda! Já com o conto Anjinho, o caminho foi inverso: abespinha-me aquela mulherzinha, sempre a precisar de um amor para ter mundo e, subitamente, eis-me de olhos marejados, entendendo os mecanismos da sua alma e torcendo para que ela tenha aquilo que tanto deseja. No magistral Enfermaria n. 6, alinho com Ivan Dmítritch, assanham-me as visitas daquele médico insonso, a sua sensatez e o seu estoicismo de pacotilha:

            - Não, não sou filósofo, mas é isto que cada qual tem de defender, porque é sensato.
            - Não, o que eu quero saber é por que razão o senhor se considera competente no assunto da consciencialização, do desprezo pelo sofrimento e assim por diante! Será que alguma vez sofreu? Faz ideia do que é o sofrimento? Oiça: açoitavam-no quando era criança?
            - Não, os meus pais tinham repugnância pelos castigos corporais.
            - Pois a mim, o meu pai açoitava-me cruelmente. O meu pai era um funcionário bruto, hemorroidal, com nariz comprido e pescoço amarelo. Mas, falemos antes de si. Em toda a sua vida, ninguém lhe tocou com um dedo, ninguém o o aterrorizou nem brutalizou; é saudável como um touro. Cresceu sob a protecção do pai e estudou por conta dele, e depois, logo a seguir, arranjou uma sinecura. Vive há mais de vinte anos numa casa gratuita, com aquecimento, iluminação, criadagem, tem o direito de trabalhar como e quando lhe apetece, e mesmo de não fazer nada. Pela sua natureza, é um homem preguiçoso, mole, por isso tentou organizar a sua vida de modo a que nada o incomodasse e o fizesse mexer. Entregou tudo ao seu auxiliar-médico e a outros canalhas, e deixou-se ficar sentado no quentinho, sossegado, acumulando dinheiro e lendo livrinhos, deliciando-se com reflexões sobre todo o género de disparates sublimes e (Ivan Dmítritch olhou para o nariz vermelho do doutor) bebendo sempre o seu copinho. Numa palavra, não viveu a vida, não a conhece, absolutamente, e tem uma noção da realidade apenas teórica […] Um jovem pede-lhe um conselho: o que fazer, como viver;  antes de lhe responder, uma pessoa pensaria um bocado, mas o senhor já tem a resposta pronta: aspira à consciencialização e ao verdadeiro bem. Mas o que é esse fantástico «verdadeiro bem»? A resposta, obviamente, não existe. Mantêm-nos aqui atrás das grades, deixam-nos apodrecer, torturam-nos, mas isso é maravilhoso e sensato, porque entre esta enfermaria e um gabinete quentinho e acolhedor não há diferença nenhuma. É uma filosofia muito cómoda: não precisa fazer nada, a consciência está limpa e pode sentir-se filósofo… Não, meu senhor, isso não é filosofia nem pensamento, nem largueza de vistas, é antes preguiça, faquirismo, uma modorra idiota… Sim! – voltou a zangar-se Ivan Dmítritch. – Despreza o sofrimento, mas se, digamos, lhe entalassem o dedo na porta, berraria a plenos pulmões!

No entanto, quando o médico se entala por fim, lá se foi o meu desprezo, estou inteiramente do lado dele, a berrar. Talvez Tchekhóv me provoque tanta adesão e oscilação de humores porque também eu sou um idiota, porque sofro, estou insastisfeito e me espanto com a infâmia humana.

"A imensa maioria da sociedade vive em zonas esteticamente sinistradas, onde não se pode viver e amor porque se está esteticamente alienado."


he wrote: "I'm broke, please send for me"

quinta-feira, 1 de março de 2018

Thats right, sista!


Sábado 24 de Noviembre de 1960
Todo sustituible. Todo reemplazable. Todo puede morir y desaparecer: detrás están los sustitutos, como en los parques de diversiones esos muñecos que caen a cada tiro de escopeta y son súbitamente sustituidos por otros y otros. Es decir, que no hay nada que obligue a vivir, ni nada que desobligue. Todo o casi todo es mentira porque cae o puede caer. Lo único que es fiel es esta sed de algo por lo que vivir. Pero tampoco lo es absolutamente puesto que está entre otras sedes y hambres y se alterna con ellas, y puede desaparecer por varios años y reaparecer.
No creo en nada de lo que me enseñaron. No me importa nada. Sobre todo no me importan los convencionalismos y el demonio sabe hasta dónde y hasta qué extremo infecto somos convencionales.
Convencionalismos poéticos y literarios.
Hasta el ser joven en un convencionalismo. Y la rebelión y la anarquía pueriles. Y el mito del poeta. El mito de la cultura. Hasta el comunismo y el socialismo de mis amigos es un nauseabundo convencionalismo. Como si se pudieran cambiar las cosas hablando y negando. Yo estoy en contra. Ni religión ni política ni orden ni anarquía. Estoy contra lo que niega la verdadera vida. Y todo lo niega. Por eso quiero llorar y no me avergüenzo o sí me avergüenzo y quiero esconderme y hasta tengo vergüenza de suicidarme.
Las luchas o contiendas poéticas de Bs. As. me hacen reír, ahora que estoy lejos. Arte de vanguardia, sonetos dominicales. Todo esto es tan imbécil.
Minúsculas, puntuación y rima. Como si alguno se hubiera despertado, una mañana, con ganas de bañarse en alcohol y prenderse fuego porque las palabras no dicen, y el lenguaje está podrido, está impotente y seco. Mis jóvenes amigos vanguardistas son tan convencionales como los profesores de literatura. Y si aman a Rimbaud no es por lo que aulló Rimbaud: es por el deslumbramiento que les producen algunas palabras que jamás podrán comprender. Además, las contiendas literarias sólo las hacen los que están contentos y bien instalados en este mundo. Es una actividad suplementaria, un hobby nocturno, mientras se está en la cama reposando, tomando café o whisky.
Todo esto es tan idiota. Y yo, yo también hablé. Yo también abrí la boca y la llené de miasmas. Pero ahora sí. Ahora sé que no me importa nada. Ahora sé que todo me importa y quiero reventar y quemarme y estallar. Porque esto no es la vida. Y esto no es la poesía. Y quiero cantar y no hay qué cantar, a quién cantar. Sólo hay mierda y a la mierda se la insulta. Pero yo quisiera cantar.


Teatro Pós-Dramático


Uma referência obrigatória para todos os estudantes e amantes das artes performativas contemporâneas, finalmente disponível numa tradução integral do alemão em Portugal.
Atrás do coração
está um músico surdo
a fazer troar um tambor desfeito.

Robert Bringhurst