segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Livros alegres para pessoas tristes



Pontualmente, atravesso desertos de leitura. São momentos altamente angustiantes, esses em que me falta um livro. Pois que tenho sempre de estar a ler e quando nenhum livro me conquista, quando nada adere, sinto-me desnorteada, perdida, esvaziada de qualquer paixão pela vida – circulo então pelas estantes, como uma fera magra de savana e caça, passando os dedos pelas lombadas, inventando sortilégios e sorteios que me possam revelar a minha próxima leitura. E quando tudo falha, não me resta senão aninhar-me na minha solidão e regressar aos contos de Tchékhov.


Nabokov afirmou que “Tchékhov escrevia livros tristes para pessoas alegres; quero dizer com isto que só um leitor com sentido de humor será capaz de sentir a fundo a tristeza deles.” Tenha Nabokov razão ou não, o facto é que sempre encontro conforto na leitura dos seus contos e vários meses, ou até mesmo anos, vejo volverem-me ao pensamento algumas das suas personagens ou enredos. São todos magníficos, nenhum desilude, sobretudo porque cobrem o amplo espectro de sentimentos que compõem uma vida plenamente vivida e pensada; porém, existem alguns que me são mais queridos por que me reflectiram naquela fase exacta da vida em que os li. São eles SAUDADE, lido numa fase de luto intenso pela perda de um amigo, e INIMIGOS, lido numa altura em que pensava persistentemente no egocentrismo de algumas pessoas. Neste último, embora o narrador não tome partido por nenhuma das desgraças que se abatem quer sobre o doutor Kirílov, quer sobre o nobre Abóguin, sinto que também o meu coração se tomou dessa mesma «injusta convicção, indigna do coração humano» que acomete o doutor até ao túmulo.

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