sábado, 24 de outubro de 2015

mais um Bildungsroman



De repente ele notou – e era como se fosse pela primeira vez – quanto o céu ficava longe.
Foi como um sobressalto. Exactamente por cima dele reluzia entre as nuvens uma nesga de azul, indizivelmente profunda.
(…)
– O infinito! – Törless conhecia o termo das aulas de matemática. Jamais imaginara algo de especial a esse respeito. O termo voltava sempre: algo que alguém um dia inventara e desde então fora possível fazer cálculos com ele, tão precisamente como com qualquer coisa sólida. Era exactamente o que valia no cálculo; e Törless jamais fizera alguma tentativa de entendê-lo para além disso.
Agora, porém, varava-o como um raio a compreensão de que essa palavra continha algo terrivelmente inquietante. Parecia-lhe um conceito domesticado, com que fizera diariamente pequenas artes, mas que de repente se libertara. Algo que ultrapassava o entendimento, algo selvagem, aniquilador, adormecido pelo trabalho de algum inventor e que de repente despertara e se tornara novamente terrível. Ali, naquele céu, isso achava-se agora por cima dele, vivo e ameaçador, zombando sinistramente dele.
(…)
Törless ficou dominado pelo anseio louco de ver duplamente todas as coisas, pessoas e factos. Como se se prendesse, de um lado, à palavra inocente e esclarecedora fornecida por um inventor qualquer; e do outro lado, fossem muito estranhas, ameaçando libertar-se a qualquer momento.
(…)
A matemática deve estar certa; mas o que há com a minha cabeça e tudo o resto? Os outros não sentem isso? Como é que essas coisas acontecem dentro deles? Não acontece nada?

Os chamados romances de formação encontram sempre um eco interior em mim. Às vezes, penso que tive uma adolescência demasiado saudável, sob o signo do riso e do haxixe. As angústias existenciais que então me faltaram, sobram hoje. E são poucos os adultos disponíveis para pensar o sentido da vida, ou das palavras, tão somente. Marchar, marchar sempre! Talvez por isso, fosse o narrador um pouquinho menos interventivo e «sábio», e acho que teria gostado mais deste romance.

e no princípio era a imagem


“Esta reflexão está inteiramente habitada pela preocupação do espectador em que hoje nos tornámos, reféns assustados que, com demasiada frequência, consentem nas produções espectaculares que têm como único efeito o aniquilamento do espectador. Se o espectador nascente for o próprio homem, a morte do espectador será a morte da humanidade. É a barbárie que ameaça um mundo sem espectador.”

sympathy for the devil


O outono anuncia-se sempre como o tempo que inaugura as maiores aventuras literárias. Este ano, comecei pela leitura de Margarita e o Mestre, de Mikhail Bulgákov. E de imediato fui cativada pelos 3 primeiros capítulos, magistrais na sua escrita e na sua estranheza.

Sim, é preciso assinalar a primeira coisa estranha dessa horrível noite de Maio. Não apenas junto ao quiosque, mas em toda a alameda paralela à Rua Málaia Bronnaia, não se via uma única pessoa. A uma hora em que parecia que já não chegavam as forças nem para respirar, quando o Sol depois de ter abrasado Moscovo, se escondera no nevoeiro seco algures para lá da Sadovaia, não havia ninguém debaixo das tílias, ninguém sentado nos bancos. A alameda estava deserta.

A primeira impressão foi que me encontrava perante mais uma obra, que à semelhança de uma certa literatura russa do século XIX, está abismada com a morte de Deus e as suas implicações. Mas é impossível definir o livro por esse prisma e sobretudo inútil tentar encapsulá-lo num tema ou estilo. Como afirma Samuel Thomas, «o romance pulsa de maliciosa energia e invenção. Por vezes, uma dura sátira da vida soviética, uma alegoria religiosa da dimensão do Fausto, de Goethe, e uma indomável fantasia burlesca, é uma obra de riso e terror, de liberdade e servidão - um romance que explode as verdades oficiais com a força de um carnaval descontrolado».

Há por ali de tudo, e o humor mais afiado coabita com a tristeza mais séria. O livro cativa sobretudo pelos vários registos polifónicos, com a narrativa a alternar entre dois tempos, a Jerusalém antiga e a Moscovo dos anos 30, combinando múltiplos géneros e técnicas narrativas, como o romance histórico, o suspense, e os tópicos fantásticos, para criar um conjunto de personagens, todas delirantes - o séquito do Diaboe o gato Behemot, Margarita, o Mestre, o atormentado Pôncio Pilatos e o seu fiel cão, entre outros. É uma narrativa louca, carnavalesca, que permite a junção do amor mais romântico a uma forte crítica mordaz aos costumes e, em particular, à sociedade literária moscovita da época.

Ela trazia nas mãos umas flores amarelas abomináveis, inquietantes. Só o Diabo sabe como se chamam, mas não sei porquê, são as primeiras flores que aparecem em Moscovo. E aquelas flores sobressaíam muito nitidamente contra o seu casaco preto primaveril. Trazia flores amarelas! É uma cor funesta. (…) E o que me impressionou foi, não tanto a sua beleza, mas a invulgar solidão dos seus olhos, uma solidão nunca vista! (…) O amor surgiu à nossa frente, como um assassino que surge do nada num beco, e atacou-nos aos dois simultaneamente! Como um raio, como um punhal finlandês!

(…)

 - Bah! Mas esta é a casa dos escritores! Sabes, Behemot, tenho ouvido dizer muitas coisas boas e lisonjeiras acerca desta casa! Presta bem atenção a esta casa, meu amigo. É agradável pensar que debaixo daquele tecto se oculta e amadurece uma infinidade de talentos.
- Como ananases numa estufa – disse Behemot e, para melhor admirar a casa cor de creme com colunas, subiu para o muro de betão que sustentava o gradeamento de ferro fundido.
- Absolutamente exacto – concordou Koroviev com o seu companheiro inseparável. – E um delicioso pavor sobe-nos ao coração quando pensamos que naquela casa amadurece presentemente o futuro autor de um Dom Quixote, ou de um Fausto, ou diabos me levem, das futuras Almas Mortas! Hem?
- É assustador pensar nisso – confirmou Behemot.

A certo ponto, já a leitura vai avançada, as narrativas historicamente distantes começam a revelar as suas secretas passagens e suspeita-se que Bulgákov não faz mais do que transfigurar a sua biografia nesta obra descomunal. Parece-nos que os pavores estranhos do Mestre nos falam de uma censura mais dura e que a cobardia é de facto o mais terrível dos defeitos, como constata Pôncio Pilatos. Parece-nos que o voo de Margarita montada numa vassoura, primeiro sobre a cidade de Moscovo e depois sobre o infinito do espaço, nos fala de uma liberdade e ousadia capazes de redimirem, ainda que apenas literariamente, uma vida profundamente humilhada e ofendida. E em geral, Margarita Nikolaevna, permitir-me-ei a audácia de lhe aconselhar a nunca ter medo de nada. Isso seria uma insensatez.

No final, depois de várias peripécias, o escritor, o Mestre, e a sua amada são recompensados com o repouso eterno, e há uma passagem em especial que faz jus à epígrafe do Fausto de Goethe: - Mas há uma coisa com que tens de resignar-te – objectou Woland, e um sorriso irónico desenhou-se-lhe na boca. – Mal tu surgiste no telhado, cometeste logo um absurdo, e eu digo-te onde é que está esse absurdo: está no teu tom. Dizes as palavras como se não reconhecesses a existência das sombras e do mal. Não quererás ter a bondade de pensar nesta questão: de que serviria o teu bem se não existisse o mal, e que aspecto teria a terra se dela desaparecessem as sombras? Pois as sombras são produzidas pelos objectos e pelas pessoas. Aqui está a sombra da minha espada. Mas há também as sombras das árvores e de todos os seres vivos. Não quererás tu despir todo o globo terrestre, varrendo da sua superfície todas as árvores e tudo o que é vivo, por causa da tua fantasia de te deleitares com a luz pura? És um tolo.

E novamente, vida e literatura coincidem. Que eu saiba também aceitar as minhas sombras. Pois, afinal, o que importa é não ter medo. E «chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente: Gerente! Este leite está azedo!»

domingo, 11 de outubro de 2015

Là-bas


Já vi algumas peças de Tennesse Williams representadas mas nunca o tinha lido. A NOITE DA IGUANA E OUTRAS HISTÓRIAS foi o primeiro livro do autor que me calhou. São nove contos preciosos. As personagens mudam de identidade, mas qual loop viciado, repetem-se os marginais, os explorados e incompreendidos, entregues à pulsão sexual e assolados pela solidão e pelo desassossego existencial. Nenhuma revolução ou redenção lhes acontece mas apesar do estado de precariedade infinita, ou talvez por isso mesmo, estas vidas à deriva encontram também pontualmente alguma comunhão.

“Não viu a iguana. Teria sido um acto de Deus? Ou não seria mais razoável pensar que fora Mike, o belo cruel, desesperado Mike, quem libertara a iguana? Que importa? Que importa quem o fez, a iguana fora-se, embrenhara-se nas suas matas nativas. Oh, como era bom, como era gratificante, respirar agora! E estava grata também porque, de uma maneira igualmente misteriosa, a asfixiante corda da solidão também se quebrara naquela noite, naquela rocha árida, sobre aquelas águas murmurantes.

Ia dormir. Mas, mesmo antes de adormecer, lembrou-se e voltou a sentir o mesmo calor e a mesma humidade, agora arrefecendo mas ainda na carne do ventre como um beijo suave e tenaz. Os seus dedos aproximaram-se, timidamente. Pensava que se retirariam com repulsa: isso não aconteceu. Detinham-se aí e tocavam com curiosidade, embora com ligeira mágoa, é certo, mas durante algum tempo. Ah, Vida, pensou e quase sorriu a este estranho pensamento, enquanto a escuridão envolvia a leve luz da sua mente.”

sábado, 10 de outubro de 2015

Combustões espontâneas




Sempre que consigo furtar algum tempo aos dias úteis, gosto de visitar bibliotecas. Agrada-me sentir o silêncio solene que as habita, a claridade que se insinua pelas janelas e, sobretudo, a ideia de que algum livro inesperado ali me aguarda.
Lá dentro, dedico-me a uma espécie de jogo: vagueio pelas várias salas e percorre algumas estantes, enquanto espero que o apelo me alcance. Umas vezes acontece de modo mais demorado  mas, regra geral, o silêncio das bibliotecas permite escutar apelos quase inaudíveis.
Depois, é sair de lá, com o livro manuseado encostado ao peito como uma fome, e gozar todos os encantos dessa visitação sagrada.

“Sempre que se escreve, precisa-se de qualquer coisa para se poder escrever. Quer seja a solidão, uma árvore ou uma lixeira ou uma pessoa, há qualquer coisa em que se está fixado. Em última instância, quase sempre em si mesmo. Tudo o mais é disparate. Um cão procura também uma árvore ou a parede de uma casa quando mija. Quando se quer escrever, passa-se algo de semelhante ao que acontece quando se quer verter águas. Procura-se então qualquer coisa e geralmente a pessoa mija-se a si própria, porque isso é o mais natural.

(…)

Interessante é, no fundo, em toda a parte. Em toda a parte é possível ter impressões. Tudo depende de cada um. Se uma pessoa é potente ou não. É preciso nesse caso que o interior corresponda ao exterior e, sobretudo, uma pessoa apresenta-se sempre nua e quer permanentemente vestir-se com tudo o que escreve. Mas não serve de nada, quanto mais uma pessoa tenta vestir-se e cobrir-se e agasalhar-se e embrulhar-se, mais nua se apresenta. Mas, por outro lado, é também um prazer expor-se a isso e correr assim nu para a rua. E outra coisa não é o que acontece quando se publicam livros.

(…)

Para mim não com certeza absolutamente nada impossível no que eu queira escrever, não há com certeza. Não tenho pudor nenhum ou seja o que for, na verdade já não o tenho. Quando uma pessoa já não consegue trabalhar, tem de sair e puxar fogo a qualquer coisa. Primeiro faz-se isso sonambulamente e depois nós próprios nos admiramos de como isso foi possível.

Só o que quero é fazer ou ver ainda diversas coisas, quer dizer, nada de novo, porque de novo não há muito, mas olhar por toda a parte, isso é algo de que se gosta, até se ficar atordoado. Quando uma pessoa não quer, com frequência, esses muitos períodos que assim se vivem e se quer matar, o que provavelmente acontece a cada um… mas, apesar das dificuldades, isto vai sendo realmente cada vez mais interessante e também mais agradável.”

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Novo objecto de desejo: Maura Lopes Cançado


Estou de novo aqui, e isto é — Por que não dizer? Dói. Será por isto que venho?

Estou no Hospício, deus. E hospício é este branco sem fim, onde nos arrancam o coração a cada instante, trazem-no de volta, e o recebemos; trémulo, exangue — e sempre outro.


Hospício são as flores frias que se colam em nossas cabeças perdidas em escadarias de mármore antigo, subitamente futuro — como o que não se pode ainda compreender. São mãos longas levando-nos para não sei onde — paradas bruscas, corpos sacudidos se elevando incomensurá­veis: Hospício é não se sabe o quê, porque Hospício é deus.

Acho-me na Seção Tiüemont Fontes, Hospital Gustavo Riedel, Centro Psiquiátrico Nacional, Engenho de Dentro, Rio. Vim sozinha. O que me trouxe foi a necessidade de fugir para algum lugar, aparentemente fora do mundo. (Ou de —————— Era tão grave. Proteção? Mas aqui, onde não me parecem querer bem e sofri tanto?) ("Não me querer bem" talvez seja mi­nha maneira única de ser amada.) Havia lá fora grande incompreensão. Sobretudo pareceu-me estar sozinha. Isto faria rir a muitas pessoas: eu trabalhava no Suplemento Literário do Jornal do Brasil, onde me cercavam de grande atenção e muito carinho. Reynaldo Jardim é o diretor e me queria bem deveras. Ó, o zelo de todos. O zelo de Reynaldo. Naturalmente, penso, por eu haver antes estado aqui, saindo para trabalhar lá. A curiosidade em torno de mim: " — Esta é Maura Lopes Cançado, a que escreveu No quadrado de Joanna? — O conto é realmente bom, mas pensar que a personagem dele é louca catatônica pas­sou a aborrecer-me (como as pessoas são estúpidas, ainda se pretendem ser gentis). Minha posição me marginalizava. As coisas simples não se ajustavam a nada em que eu pudesse tocar, sen­tir. Era a impressão.

Quanto tempo trabalhei no jornal? Reynaldo Jardim, Fer­reira Gullar, Assis Brasil, e tantos outros, meus protetores. Quase todos os bons intelectuais da nova geração. E de rir. Protetores no bom sentido, como diriam. Mas que bom sentido, se me fizerem sofrer tanto? Por que, como chegar a eles, sem desespe­ro? — E que ignoram o quanto me custa uma palavra simples, como fui sozinha desde a infância. E de amá-los — demais e inútil — passei a odiá-los: por não me compreenderem. Não saberão jamais o quanto podem fazer sofrer uma criatura tímida e necessitada como eu: porque sinto vergonha. Gullar pareceu can­sado de mim. Ainda vendo-o imoto e inacessível não consegui desprezá-lo. Minha necessidade de afirmação deixava-me agressiva, movia-me pela redação do jornal o dia todo sem sorrir. Minha timidez. Enquanto meu ser se enrijecia, voltava-me para mim mesma à espera de um milagre que me projetasse, os ou­tros me olhando atónitos (é ainda mais do que No quadrado de Joanna, é ainda mais). Nada acontecia a não ser eu, me repetindo dia a dia. Minha ignorância.

Destruí tudo agredindo Reynaldo Jardim. Foi uma briga feia. Briguei sozinha. Ele não ousaria ferir-me, pois tem sua própria maneira de demonstrar amor. Consegui escandalizar Carlos Heitor Cony, que já foi quase padre, é facilmente escandalizável. Além de julgar estar ferindo Reynaldo, ao falar coisas inverossímeis e degradantes a meu respeito. Algo em que pensar: se tem alguma afetividade por mim deve ter sofrido. Como me destruí.

Falei de mim tantas vilezas (já fiz isto com mamãe. Estou muito cansada). Telefonei antes de vir a dona Dalmatie, enfermeira minha amiga. Levou-me a doutor J., pedi-lhe que me aceitasse no hospital:

- Por favor, doutor J., não sei que fazer lá fora. Estou des­truída. Aceite-me no hospital. Briguei no jornal. Ele (surpreendente) pareceu compreender. Dona Dalmatie não estava de acordo:

- Tenho um sítio sossegado. Passe uns dias lá. Quanto ao emprego, daremos um jeito. Você tem péssima memória, hein, Maura? Não me conformo em vê-la de novo aqui.

- Tenho boa memória, sei o que me espera. Mas vim dis­posta a ficar. A senhora não pode entender. Lembra-se de que me disse outro dia que não saí daqui recuperada? Está tudo difícil.

Fomos as duas ao IP (Instituto de Psiquiatria), onde se fa­zem internações. Ela, de lá, foi para casa. Voltei sozinha para este hospital. Doutor J. já não estava mais. Mandaram-me para a Seção Cunha Lopes (não pertence a doutor J.) A guarda que me recebeu (monstro antediluviano), Cajé, me fez imediatamen­te trocar o vestido pelo uniforme do hospital. Enquanto trocava de roupa, recebia dela as intimidações:

- Não banque a sabida nem valentona. Pensa que por ser bonita vale mais do que as outras? Saiba lidar conosco (guardas), que se dará bem. Queixas ao médico não adiantam. Vocês são doentes mesmo. Compreendeu?" Claro que compreendi, Cajé. Estou aprendendo há três anos.

Depois do jantar deram-me um quarto e dormi sozinha até o dia seguinte. Estava exausta. De manhã chovia. Puseram-me no pátio junto com as outras, percebi que nenhuma funcionária se dirigia a mim. Ah, não: dona Aída se dirigiu, dando-me um empurrão, à hora do café: " — Entre na fila. Que está esperando? Quer que te demos café na boca?". Entrei na tal fila, ainda muito cansada para revidar a agressão (das outras vezes em que estive aqui esta fila não existia).

Depois do café fui para o pátio. Ou, fui mandada para o pátio. Ainda chovia muito. Parecia-me um sonho: àquelas mu­lheres encolhidas de frio, descalças, fantásticas. Eu nem sequer pensava. Via, como se nada em mim fosse mais que os olhos, recomeçando num pesadelo (voltei, meu deus, voltei). Durante o almoço veio chamar-me uma guarda:

— O Diretor quer falar-lhe". Devia ficar estupefata (por motivos óbvios), mas nem ao menos fiquei surpresa. Se ameaçassem tirar-me os olhos, não encontrariam em mim qualquer reação. E as coisas pareciam caminhar inexoráveis.


in Hospício é Deus

Intimations of Immortality



THERE was a time when meadow, grove, and stream,
    The earth, and every common sight,
            To me did seem
    Apparell'd in celestial light,
The glory and the freshness of a dream.         
It is not now as it hath been of yore;—
        Turn wheresoe'er I may,
            By night or day,
The things which I have seen I now can see no more.
        The rainbow comes and goes,  
        And lovely is the rose;
        The moon doth with delight
    Look round her when the heavens are bare;
        Waters on a starry night
        Are beautiful and fair;
    The sunshine is a glorious birth;
    But yet I know, where'er I go,
That there hath pass'd away a glory from the earth.
Now, while the birds thus sing a joyous song,
    And while the young lambs bound
        As to the tabor's sound,
To me alone there came a thought of grief:
A timely utterance gave that thought relief,
        And I again am strong:
The cataracts blow their trumpets from the steep;
No more shall grief of mine the season wrong;
I hear the echoes through the mountains throng,
The winds come to me from the fields of sleep,
        And all the earth is gay;
            Land and sea
    Give themselves up to jollity,
      And with the heart of May
    Doth every beast keep holiday;—
          Thou Child of Joy,
Shout round me, let me hear thy shouts, thou happy
    Shepherd-boy!
Ye blessèd creatures, I have heard the call
    Ye to each other make; I see
The heavens laugh with you in your jubilee;
    My heart is at your festival,
      My head hath its coronal,
The fulness of your bliss, I feel—I feel it all.
        O evil day! if I were sullen
        While Earth herself is adorning,
            This sweet May-morning,
        And the children are culling
            On every side,
        In a thousand valleys far and wide,
        Fresh flowers; while the sun shines warm,
And the babe leaps up on his mother's arm:—
        I hear, I hear, with joy I hear!
        —But there's a tree, of many, one,
A single field which I have look'd upon,
Both of them speak of something that is gone:
          The pansy at my feet
          Doth the same tale repeat:
Whither is fled the visionary gleam?
Where is it now, the glory and the dream?
Our birth is but a sleep and a forgetting:
The Soul that rises with us, our life's Star,
        Hath had elsewhere its setting,
          And cometh from afar:
        Not in entire forgetfulness,
        And not in utter nakedness,
But trailing clouds of glory do we come
        From God, who is our home:
Heaven lies about us in our infancy!
Shades of the prison-house begin to close
        Upon the growing Boy,
But he beholds the light, and whence it flows,
        He sees it in his joy;
The Youth, who daily farther from the east
    Must travel, still is Nature's priest,
      And by the vision splendid
      Is on his way attended;
At length the Man perceives it die away,
And fade into the light of common day.
Earth fills her lap with pleasures of her own;
Yearnings she hath in her own natural kind,
And, even with something of a mother's mind,
        And no unworthy aim,
    The homely nurse doth all she can
To make her foster-child, her Inmate Man,
    Forget the glories he hath known,
And that imperial palace whence he came.
Behold the Child among his new-born blisses,
A six years' darling of a pigmy size!
See, where 'mid work of his own hand he lies,
Fretted by sallies of his mother's kisses,
With light upon him from his father's eyes!
See, at his feet, some little plan or chart,
Some fragment from his dream of human life,
Shaped by himself with newly-learnèd art;
    A wedding or a festival,
    A mourning or a funeral;
        And this hath now his heart,
    And unto this he frames his song:
        Then will he fit his tongue
To dialogues of business, love, or strife;
        But it will not be long
        Ere this be thrown aside,
        And with new joy and pride
The little actor cons another part;
Filling from time to time his 'humorous stage'
With all the Persons, down to palsied Age,
That Life brings with her in her equipage;
        As if his whole vocation
        Were endless imitation.
Thou, whose exterior semblance doth belie
        Thy soul's immensity;
Thou best philosopher, who yet dost keep
Thy heritage, thou eye among the blind,
That, deaf and silent, read'st the eternal deep,
Haunted for ever by the eternal mind,—
        Mighty prophet! Seer blest!
        On whom those truths do rest,
Which we are toiling all our lives to find,
In darkness lost, the darkness of the grave;
Thou, over whom thy Immortality
Broods like the Day, a master o'er a slave,
A presence which is not to be put by;
          To whom the grave
Is but a lonely bed without the sense or sight
        Of day or the warm light,
A place of thought where we in waiting lie;
Thou little Child, yet glorious in the might
Of heaven-born freedom on thy being's height,
Why with such earnest pains dost thou provoke
The years to bring the inevitable yoke,
Thus blindly with thy blessedness at strife?
Full soon thy soul shall have her earthly freight,
And custom lie upon thee with a weight,
Heavy as frost, and deep almost as life!
        O joy! that in our embers
        Is something that doth live,
        That nature yet remembers
        What was so fugitive!
The thought of our past years in me doth breed
Perpetual benediction: not indeed
For that which is most worthy to be blest—
Delight and liberty, the simple creed
Of childhood, whether busy or at rest,
With new-fledged hope still fluttering in his breast:—
        Not for these I raise
        The song of thanks and praise;
    But for those obstinate questionings
    Of sense and outward things,
    Fallings from us, vanishings;
    Blank misgivings of a Creature
Moving about in worlds not realized,
High instincts before which our mortal Nature
Did tremble like a guilty thing surprised:
        But for those first affections,
        Those shadowy recollections,
      Which, be they what they may,
Are yet the fountain-light of all our day,
Are yet a master-light of all our seeing;
  Uphold us, cherish, and have power to make
Our noisy years seem moments in the being
Of the eternal Silence: truths that wake,
            To perish never:
Which neither listlessness, nor mad endeavour,
            Nor Man nor Boy,
Nor all that is at enmity with joy,
Can utterly abolish or destroy!
    Hence in a season of calm weather
        Though inland far we be,
Our souls have sight of that immortal sea
        Which brought us hither,
    Can in a moment travel thither,
And see the children sport upon the shore,
And hear the mighty waters rolling evermore.
Then sing, ye birds, sing, sing a joyous song!
        And let the young lambs bound
        As to the tabor's sound!
We in thought will join your throng,
      Ye that pipe and ye that play,
      Ye that through your hearts to-day
      Feel the gladness of the May!
What though the radiance which was once so bright
Be now for ever taken from my sight,
    Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower;
      We will grieve not, rather find
      Strength in what remains behind;
      In the primal sympathy
      Which having been must ever be;
      In the soothing thoughts that spring
      Out of human suffering;
      In the faith that looks through death,
In years that bring the philosophic mind.
And O ye Fountains, Meadows, Hills, and Groves,
Forebode not any severing of our loves!
Yet in my heart of hearts I feel your might;
I only have relinquish'd one delight
To live beneath your more habitual sway.
I love the brooks which down their channels fret,
Even more than when I tripp'd lightly as they;
The innocent brightness of a new-born Day
            Is lovely yet;
The clouds that gather round the setting sun
Do take a sober colouring from an eye
That hath kept watch o'er man's mortality;
Another race hath been, and other palms are won.
Thanks to the human heart by which we live,
Thanks to its tenderness, its joys, and fears,
To me the meanest flower that blows can give
Thoughts that do often lie too deep for tears.

William Wordsworth

A melancolia checa: Jakub Schikaneder







Charlar de literatura



Cortázar fala sobretudo sobre a sua literatura. E dá a ilusão de que o estamos a ouvir in loco.

A parte maldita


"Você é homem, Endre, um homem excelente e verdadeiro, e sente-se obrigado a raciocinar de maneira coerente, como sabiamente determinam as leis, os costumes ou a razão. Mas nós, mulheres, não podemos ser sempre tão sábias e coerentes... agora, já compreendo que isso não é connosco."

Uma leitura agradável para uma noite chuvosa. Apesar disso, é um Sándor Márai menor.