sábado, 31 de dezembro de 2011

There is an obvious change in me!

O ano termina com mais um enigma resolvido. Sei finalmente o nome da música enigmática que tantas vezes me ofereceu o êxtase pela sua dança.



Bless this hour of meditation,


Just us and medication.


Can’t say it ex-ex-ex-ex-explicitly.


All my friends became my family!


There is an obvious change in me!


I tripped, and fell in love with you.


Honest, you do what I aim to.


We looked at each other,


And our eyes were clear.


Love your family, you do well, and so sincere.


I tripped, and fell in love with you.


Dance in the light, honest you do.


We looked at each other,


And our eyes were clear


Love your family, you do well, and so sincere.


I tripped!


Entangled in Vertigo, here we go,


And now you know…


how I’ve felt all along.


Decadence and Charity coming on strong.


I told myself I’d never write a love song.


We’ve known each other our whole lives


Under circumstance and sacrifice.


Now we’re together un-ex-expectedly.


All my friends became my family!


There is an obvious change in me!





E venha de lá um feliz 2012!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2011 e os meus livros






Pela primeira vez, deu-me vontade de olhar para o passado e pensar o ano que está quase a terminar. Conjugando os pensamentos que anotei no meu diário, os acontecimentos que recordo e as leituras que registei no blog, chego à conclusão de que tudo o que aprendi pelo coração já o tinha previamente escrito algures. Como um conto que escrevi há mais de dois anos e que só hoje posso realmente entender. Porque o que me doeu este ano foi o cérebro e o seu pensamento atrasado; só se pode compreender de facto com as entranhas.




2011 foi um ano tramado: um ano de crise interna.



Um ano que começou mal. Janeiro na Mouraria bafienta e o conto profético Trinta Anos de Ingeborg Bachmann. A sensação de ter caído numa armadilha. As noites desassossegadas, duvidando de tudo, até da própria dor. Suspeitando que nada me ludibria tanto como essa moinha persistente. Sempre a pensar mais à frente ou mais atrás, incapaz de decidir o que é a felicidade porque tudo pesa e eu estou nua e gelada, ocupada por uma raiva que grita: "Despida de desejo venho até vós!" E no momento seguinte, uma vontade de esquecer tudo, ser humilde, pedir perdão e socorro e ganhar a ternura. Ou estalar os dedos, apenas, dizer estou boa e ficar boa. Sentir o vazio em mim e perceber que a minha fome é afinal maior que o amor, de uma teimosia que não está de acordo com a minha inteligência. Nem escrever consigo, apenas cair. “A destruição está em marcha. Poderei vir a falar em felicidade, se este ano não me matar.”




Mudo de casa. Cais de Sodré. Longas jornadas na cama, endurecendo o coração com a beleza das palavras de Djuna Barnes e fumando compulsivamente. Percebo que começo a conhecer-me com alguma segurança. Ganho alguma tranquilidade e admito a companhia de alguns. O inverno teima em persistir. Em Herberto Hélder, encontro uma companhia para a minha indignação e torno a sentir-me forte, bela e brava. E aí vou eu pela floresta vermelha afora, ignorando neves, e dizendo com alguma alegria principiante: “que se foda!”. Está tudo bem, o mundo está certo na sua desadequação.



A Primavera traz-me O Apogeu de Miss Jean Brodie e a promessa de um amor bruto como o primeiro. Perco o apetite, decido confiar e sentir, sentir muito. Com o peito cheio, descarto os tiques, as frases de pacotilha e os espólios de guerra e recebo uma doçura desconhecida e deliciosa. Mudo mais uma vez de casa. Desta vez, optimista. Passo as noites a namorar com o Augie March e a acreditar que podemos ser fáceis, dados e aceitar o que vier. “Primeiro tem de se testar aquilo de humano com que se consegue conviver. E se o mais elevado estiver naquela taberna vazia e abafada, com as moscas, o rádio quente a zumbir entre jogadas e a cerveja de Sox Park, o que poderá fazer-se senão aceitar a mistura e dizer que a imperfeição é sempre a condição do que encontramos? Do mesmo modo, os meus olhos arranhados verão sempre a grande beleza arranhada. E deuses podem aparecer em qualquer lugar”.




O verão desfaz a ilusão. Vou-me abaixo. Sinto-me encurralada, o peito socado. Leio Pan de Knut Hamsun e consagro-me ao mistério da caça e do caçador. Os dias soalheiros são esculpidos por um estoicismo de pedra e cal, dias bonitos em que não fornico, e as noites bombardeadas por anjos e demónios. Nas Histórias de Amor de Robert Walser, descubro-me Circe e percebo então que fui mal aconselhada na minha lucidez. Mas ainda tenho um coração que ri, enquanto se esvai em sangue pelas pedras esquentadas da calçada lisboeta. It’s all right, ma…



A Aprendizagem começa a solidificar-se no Outono, quando regresso perdida da caça com o nome de Lóri. Os sonhos amputados por solidariedade, por ver que todos saíam tão derrotados pelo mundo. E termina com o diagnóstico de Raskólnikov, que é afinal o meu: orgulho ferido. Mas isso, eu apenas percebo uns dias após o Natal, depois de reler Coração, Solitário Caçador. Ou melhor: vejo. Por uns instantes, perco o medo de levar o pensamento demasiado longe, penso, e de súbito, vejo-me. Vejo-me dividida em duas forças contrárias, uma força guerreira, afirmativa e optimista que quer ser feliz e fazer muitas coisas e outra que teima na inércia e na descrença, fazendo trincheira de uns quantos desgostos, ofendida por o mundo não ser tal e qual o seu desejo. Que eu me boicotava a mim própria já sabia, mas nunca o tinha visto com olhos de ver. O que andou aqui dentro a espernear este ano todo foi a minha parte adolescente – está, portanto, resolvido o enigma de apenas me apetecerem romances de formação.

O ano termina bem. Não tenho nada de grave, apenas dores de parto. O que vou fazer daqui em diante é outra guerra, pois não posso simplesmente açoitar a menina mimada que está magoada: é ela quem sonha mais alto e escreve com maior delírio e força. “Esta é realmente a minha embaraçosa chegada à maturidade. Não serve para espectáculo nem dá como exemplo ou símbolo. Tenho de inventar a minha vida verdadeira.” Nenhum osso partido.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

There is no cure for curiosity.

“Listen”, he said. “The trouble with you is that you don’t have any real kindness. Not but one woman I’ve ever known had this real kindness I’m talking about.”
“Well, I’ve known you to do things no man in this world would be proud of. I’ve known you to -”
“Or maybe it’s curiosity I mean. You don’t ever see or notice anything important that goes on. You never watch and think and try to figure anything out. Maybe that’s the biggest difference between you and me, after all.”
(…)
“The enjoyment of a spectacle is something you have never known”, he said.
Her voice was tired. “That fellow downstairs is a spectacle, all right, and a circus too. But I’m through putting up with him.”
“Hell, the man don’t mean anything to me. But you don’t know what it is to store up a whole lot of details and then come upon something real.”


Carson McCullers, The Heart is a Lonely Hunter

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Homenagem a Robert Walser








UMA HISTÓRIA DE AMOR INFELIZ





Era uma vez um homem e uma mulher e traziam ambos os corações apodrecidos pelo medo quando se encontraram.



No caso do homem, o medo mirrara-lhe o coração já pequenino, fazendo-o sentir-se como uma lebre correndo num circuito asfixiado. Como artimanha, o homem fingia ser muito grande, convencendo todos de que era bonito, inteligente e terno.


No caso da mulher, o medo dilatara-lhe o coração, fazendo-a sentir-se como uma mónada esquecida na infinitude voraz. Como artimanha, a mulher fingia ser muito pequena, a todos convencendo ser menos bonita, inteligente e terna do que realmente era.


Deram-se ilusões de paixão. A mulher julgou que envolta nos braços pesados de um homem grande jamais se sentiria sozinha; acordava, no entanto, de manhã, amachucada a um canto, ainda mais minúscula que na noite anterior. O homem pensou que o amor de uma mulher pequena seria económico e portátil, reconfortando-o em toda a parte; deitava-se, no entanto, todas as noites com os músculos extenuados, como se carregasse um fardo pesado.


Mas quando se encontravam na cama, terra onde todos os duelos são justos e leais, despiam o medo e então o grande homem encolhia dentro do corpo alagado da pequena mulher, que se abria e o tragava.

Constataram, ao fim de alguns desencontros, que a insistente dissimetria os impedia de se inventarem nos olhos do outro. Separaram-se – e foi tudo (ou nada).

Sister, sister what did they do to you

the heart is a lonely hunter (i)

"But you haven't never loved God nor even nair person. You hard and tough as cowhide. But just the same I knows you. This afternoon you going to roam all over the place without never being satisfied. You going to traipse all around like you haves to find something lost. You going to work yourself up with excitement. Your heart going to beat hard enough to kill you because you don't love and don't have peace. And then some day you going to bust loose and be ruined. Won't nothing help you then."

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

sábado, 17 de dezembro de 2011

O poema ensina a voar








Na cabeça:
um par de asas atrofiadas
chamuscadas

pela pretensão

de tudo poder compreender
pela dor.

É preciso cair.

Nas mãos:

o susto de estar viva
numa terra vermelha
e hostil.
A volúpia
da vertigem
nas têmporas.
É preciso aprender

o orgulho ferido

e a humilhação.

Cair: é preciso.

Mutar o medo
que arranha
a pele parda e anémica
em carícia

e cair em si.

E,
então,
gritar com fúria certa:
“eis-me aqui, cansada,

pronta para começar a caminhar”.

Só o poeta pode trepar,
Feridas,
Rasgões
e estilhaços acima,
Até ao milagre das andorinhas retornadas.
E tudo compreender pela alegria.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A Arte da Queda




O poema ensina a cair


sobre os vários solos


desde perder o chão repentino sob os pés


como se perde os sentidos numa


queda de amor, ao encontro


do cabo onde a terra abate e


a fecunda ausência excede


até à queda vinda


da lenta volúpia de cair,


quando a face atinge o solo


numa curva delgada subtil


uma vénia a ninguém de especial


ou especialmente a nós uma homenagem


póstuma.




Luísa Neto Jorge

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Crime e Castigo




Tendo aproveitado a noite de feriado para resguardar a minha solidão no sofá, aproveito para fazer duas confissões ridículas. Os blogs e todas as personas cibernéticas servem afinal para isso, para nos confessarmos, são sucedâneos light da confissão cristã. Seguimos, talvez mais necessitados do que nunca, de nos confessarmos. Mas a maioria aproveita o novo espaço para continuar com a mesma farsa. E assim se ampliam egos pela internet fora, ad infinitum, para acariciar o desespero de andarmos todos tão desavindos. Resta apenas um narcisismo triste, comovente, que não dá nem para começar uma revolta menor.




Por isso tenho duas confissões tristes a fazer. E têm ambas a ver com o lendário livro de Dostoiévski, Crime e Castigo, que me aqueceu os ossos durante o último mês. Confesso que nunca tinha lido o livro antes. Foram várias as tentativas ao longo dos anos, mas a ansiedade derrotava-me sempre. E queria muito lê-lo, não só porque é um dos grandes livros do cânone ocidental, mas porque foi neste autor russo que, por um golpe do acaso aos treze anos, eu me decidi e escolhi a minha personalidade. Porque existem idades em que podemos apostar e escolher arbitrariamente que personagem queremos ser nesta farsa e os livros funcionam simultaneamente como drogas e como tábua de salvação. E assim naufraguei na identidade de jogadora, ganhei o riso astuto da adrenalina da vitória, embora saiba que a condição de vencedor é das mais matreiras e que nunca se roça tão de perto a ruína como quando somos levados por marés agradáveis. Mas... eis que me afasto da infâmia que pretendia e caio também eu no elogio narcísico de mim mesma: coitadinha de mim, tenho mostrado grande capacidade de sofrimento mas olhem que continuo de pé, orgulhosa na minha decadência... nada disso, peço perdão humildemente: rejeito o orgulho porque a sua ferida pode ser letal, mas já lá iremos.



A verdade é que tinha medo deste livro. Um medo visceral. O tom obsessivo dos primeiros capítulos deixava-me sem ar, um mal-estar que passava das letras para a pele. Tinha pesadelos desconcertantes e dormia como quem é sovada. E porquê? Porque o meu maior medo é matar. Confesso: tenho medo de matar. Mais uma fobia típica dos absurdamente racionais, certo, mas a questão vai mais longe. Tenho medo de ter medo de matar e de me começar a desafiar. Como fiz sempre com tudo o que me assustava: ir até lá espicaçar o monstro para me descobrir melhor, no risco e na excitação de me perder. Uma questão íntima, portanto.

A segunda confissão é que me apaixonei por Rodion Romanovitch Raskólnikov, um verdadeiro disparate emocional que só a Madame Bovary ousaria igualar. Afinal não existem regras mas o amor está mesmo colado à ponta do medo. Confesso que sempre preferi as personagens femininas porque são sempre as mais arriscadas e imprevisíveis e que, para além do Augie March e Antoine Roquentin, assim de supetão não me ocorrem mais personagens masculinas que tenha verdadeiramente admirado (tenho má memória, também é um facto); e se o primeiro admirei pela inteligência grata com que aceitava todas as vicissitudes, com o segundo partilhei de uma verdadeira intimidade existencial. Mas com o Ródia, a coisa foi diferente: une affaire d’amour. Uma questão de solidariedade, portanto.



Ródia: impossível não amar a tua irritabilidade, a tua compaixão, a tua revolta, a obsessão mental de quem se atira ao mundo com a indelicadeza de quem mal começou a viver, a vontade de ousar um passo original, a angústia que se segue porque não se aguenta tal enormidade e custa tanto desenvencilhar-se dos sentimentos alheios que se tomam por próprios e queridos, alternada com uma súbita indiferença e desprezo. A perspicácia que te corta na leitura certeira dos estratagemas dos outros, o nojo que pede que os desmascares, e um delírio subterraneamente conflituante que te diz para alinhar, que a partir do interior do jogo é mais fácil devorá-los, seguido do medo de te tornares semelhante e nada adiantar. Enfim, meu amor, angustias-te mais do que os demais, tanto sofrimento e afinal sofres apenas de orgulho ferido. Com legitimidade, é certo. Mas a vida ainda agora começou. E tu e eu ainda temos uma porta a que bater, enquanto o milagre e a punição se atrasam.



“O coto de vela havia muito que estava a querer extinguir-se no castiçal torto, iluminando palidamente, neste quarto miserável, o assassino e a prostituta, estranhamente reunidos para lerem o livro eterno.
(…)
- Agora só te tenho a ti – acrescentou Raskólnikov. – Vamos juntos… Eu vim a ti. Somos ambos malditos, então vamos juntos!
- Vamos aonde? – perguntou cheia de medo e, involuntariamente, deu um passo para trás.
- Como posso saber? Só sei, tenho a certeza, que iremos pelo mesmo caminho, e mais nada. Até ao mesmo destino!
Sónia olhava e não percebia nada. Apenas sabia que ele estava muito infeliz, infinitamente infeliz.
- Ninguém, deles, compreenderá nada se lhes falares – continuou Raskólnikov -, e eu compreendi. Preciso de ti, por isso aqui estou.”

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Este natal quero um museu de arte imaginário!



O espírito




Nada a fazer, amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;


E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.


Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:


Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto.




Natália Correia

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Estranha forma de vida



Foi por vontade de Deus

Que eu vivo nesta ansiedade.

Que todos os ais são meus,

Que é toda minha a saudade.

Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida

Tem este meu coração:

Vive de forma perdida;

Quem lhe daria o condão?

Que estranha forma de vida.

Coração independente,

Coração que não comando:

Vive perdido entre a gente,

Teimosamente sangrando,

Coração independente.

Eu não te acompanho mais:

Pára, deixa de bater.

Se não sabes onde vais,

Porque teimas em correr,

Eu não te acompanho mais.


Amália Rodrigues